Mais a visão se aprofunda,
mais estrelas se percebem,
na escuridão...

30 de janeiro de 2012

Anjos não ficam


Anjos tocam as nossas vidas,
apenas nos olham e deixam-se ver,
sem pudor, em humilíssima condição,
promessa ainda incerta de uma existência.

Não pedem para entrar...

Acolhidos, transformam-se em bênçãos,
entes queridos, mais do que humanos,
exercitando o dom singelo de Anjos,
sem orgulho ou impaciência.

Coração e espírito atentos,
diluindo o seu curto tempo no nosso,
construindo laços para além do tempo,
iluminando o ar sempre leve pela sua presença.

Com a pureza essencial do nascimento,
crescem, amadurecem e envelhecem.
Tão cedo se fragilizam os nossos Anjos.

E, mesmo exauridos,
seus olhos, sempre eles,
dizem que por nós, apenas por nós,
suportarão qualquer dor de velhice,
qualquer limitação de vida,
enquanto não pudermos deixá-los ir.

Não pedem para partir...

São levados de nós,
resignados, com serena dignidade,
exalando amor até o derradeiro momento.

Anjos apenas passam...

19.11.2007 (original)

Sombras




Acreditai, arrogantes, 
nas verdades transmutadas,
no discernimento anestesiado,
na palavra sufocada,
na vontade abatida.
na esperança enterrada.

Locupletai-vos
das vidas tributadas, saqueadas,
da riqueza da terra, vilipendiada,
da ignorância inocente, enganada,
subjugada pela esmola,
encabrestada.

Continuai a vossa festa depravada,
enquanto silenciosamente emergimos
dos percalços da luta honesta, diária,
das ruas e vielas, emaranhadas,
das esquinas da vida, circulares,
das filas do sistema de saúde, infindas,
dos hospitais públicos, sumidouros,
das escolas dos nossos filhos, doutrinárias,
das casas e terras abandonadas, invadidas,
dos confrontos entre irmãos, instigados,
da violência urbana, drogada, 
das instituições mais sagradas, loteadas,
da lembrança da cidadania,
entorpecida.

Somos agora imenso conclave de sombras
espreitando vossas vidas,
entidades conscientes, insuspeitadas,
caminhando já sorrateiras,
arrastando sonhos e pesadelos, desenhando rastros,
na implacável perseguição aos que nos tornaram
sombras das nossas vidas.

Transitaremos diuturnamente,
nas profundezas das vossas consciências brutalizadas,
nos halls, corredores e gabinetes suntuosos,
nos teatros, aeroportos, aviões e restaurantes,
nos salões dos vossos alfaiates e costureiros,
na grama, areia e piscina do vosso resort preferido,
nos tetos, paredes e pisos das vossas casas e muquifos.

Invadiremos os porões das vossas vidas,
adensaremos o ar fétido que respirais,
surgiremos nos melhores e piores momentos,
por entre as cédulas dos pagamentos espúrios,
por entre as pernas dos putos e putas que vos servem,
embaixo das vossas camas, por baixo das vossas cobertas,
por dentro das vossas roupas empertigadas,
queimando a pele fria e suada,
 até que nada mais vos conforte,
até que só vos acolha a escuridão,
até que imploreis pela luz
que eternamente vos haveremos de negar,
para que jamais torneis a contaminar
a verdade, o discernimento,
a palavra, a vontade e a esperança
desta nação.


(Dedicado àqueles que governam o Brasil, 
neste Dia da Independência,
um dos piores de que tenho memória.)



07.09.2010
©Alfredo Cyrino / Indigo Virgo®

26 de janeiro de 2012

Uma mala ensangüentada


Uma mala ensangüentada
lhes seja entregue todos os dias.

Uma mala de pânico insone, imensa e neurotizante,
que os persiga acordados e em sonhos,
transformando a hipocrisia em medo da insanidade.

Uma rica mala decepcionante,
lhes seja entregue por sob as mesas,
sorrateiramente encostada em suas pernas de pele fria,
agarrada por mãos ávidas e trêmulas,
mas sempre arrebentada no chão à sua frente.

Uma mala para o Presidente,
uma para o Senador e outra para o Deputado.

Uma mala para o Ministro,
uma para o Juiz e outra para o Alto Funcionário.
Uma para cada seguidor locupletado, conivente, ou omisso.

Para todos vocês,
uma mala diária, repleta de dinheiro e contratos,
embrulhando cabeças e peitos perfurados,
braços e pernas depauperados, punhos cerrados,
corações destroçados por desalento sem fim
e olhares animais fixos, estáticos, telepáticos,
brotando da indefesa carne torturada,
abusada, usurpada e devorada.

Uma mala que se fará noturna e cheia de gritos,
povoada de mentes embotadas e olhos perseguidores,
de bocas famintas e sedentas, com dentes podres,
hálito fétido e línguas que jamais pararão de cobrar.

Uma mala voluptuosa,
plena de tetas e bundas e coxas e sexos de todas as idades,
roubados, vendidos e violentados
e recalcados a um negro e profundo ódio pelos seus algozes.

Para todos vocês,
que bem se sabem merecedores,
pelo que fizeram, deixaram de fazer e ainda farão,
uma mala de pensamentos aderentes, recorrentes,
murmurando sem cessar o mantra esquizofrênico e vingativo.

Uma já presente e eterna mala cármica,
ensangüentada de oportunidades perdidas,
de crenças, valores e esperanças de vidas destruídas,
tornando miserável a sua nociva existência.



19.09.2007 - reeditado 13.09.2008 (versão)

23 de janeiro de 2012

Startears


Moving stars,
slow tears
that the night cries,
while faraway watching us.

We've ever been the night sorrow,
tears walking
from the ancestral everything
to the endlessly future nothing.

But always comes the day,
veil of light
hiding billions of tears
in the time darkness
that the eyes never perceive.

Souls are star tears...

29.02.2004 (original)

22 de janeiro de 2012

Sombras cansadas


Dentre tantas,
sombra de uma solidão cansada,
nunca soube quem sou,
o meu lugar, os meus desígnios.
a razão dos sofrimentos,
a origem da alegria sufocada,
que não morre em mim.

Há tanto tempo,
desde que a minha miséria te tocou,
venho repetidas, silenciosas vezes à tua morada.

Pelas manhãs, tardes, noites e madrugadas,
caminho longamente, pacientemente,
esperança de que me vejas,
ânsia pelo contato, desejo de ficar.

Na tua ausência,
a visão do lugar me basta e conforta.

No teu encontro,
há o mundo que me conhece,
paz, abrigo e descanso,
um quase caber na mão que me afaga e alimenta,
um momento em que sou sem saber,
uma alegria que se desenlaça.

E a chama em mim se mantém,
porque sei, sempre me darás o que puderes,
e sempre me guardarás com olhos e coração,
quando novamente me for.

(Amarelinha - Kate)

março/2003 (original)

21 de janeiro de 2012

Startears


Estrelas em movimento,
lentas lágrimas
que a noite chora,
enquanto longínqua nos observa.

Sempre fomos a tristeza da noite,
lácrimas que caminham
desde o tudo ancestral
até o infinitamente futuro nada.

Mas sempre vem o dia,
véu de luz a esconder
bilhões de lágrimas
na escuridão do tempo
que os olhos nunca percebem.

Almas são lágrimas das estrelas...
  
29.02.2004 (versão)