Mais a visão se aprofunda,
mais estrelas se percebem,
na escuridão...

15 de março de 2013

Palavras soltas


"Se a palavra calada é tua escrava, a palavra dita é senhora tua."
(Provérbio árabe).


Palavras, entidades arrogantes,
anseiam por autonomia, liberdade, vida própria,
poder sobre quem as profere e quem as recebe.

Maioria destruidora, surgem e transitam livres,
sem crítica, reciclagem, filtragem, questionamento.
Raramente se fazem ouvir na mente e no coração,
antes de pronunciadas ou escritas.

Proferidas,
não querem ser desmentidas,
reavaliadas, reformuladas.
Menos ainda, perdoadas.
Bloqueiam etilicamente a reconsideração,
e proclamam, solenes:

"Somos a verdade, e tudo farás em nome disto,
acima de quaisquer efeitos."

Contestadas,
convocam suas pares especialistas,
estrategistas retóricas, conspiradoras,
planta-minas semânticas, traiçoeiras,
guerrilheiras mentirosas, inconseqüentes,
evasivas cândidas, dissimuladas,
adjetivadoras debochadas, despistadoras,
ofensoras inescrupulosas, exterminadoras,
abrindo caminhos para novos e sedentos
regimentos de palavras soltas.

Sitiadas por argumentos, fundamentos,
clareza de intenções e significados,
enfiam-se em trincheiras de autoindulgência,
constroem barricadas de autocomiseração,
inocentes vítimas da má interpretação.

Silêncio...
na mente e na alma,
para que se percam ao vento,
soltas como nasceram.

jan-mar.2013

3 de março de 2013

Não quero...


Figuras matinais sorridentes, rolando
na grama reluzente dos comerciais.

Hinos de salvação decorados,
em bocas convictas, autobeatificadas.

Flauta doce narcisista, expirando
notas contemplativas, sonolentas.

Cães-objetos, ocupando espaço
em quintais de hipocrisia insensível.

Falatórios de farras etílicas,
envenenando meu direito à paz.

Muros de cal e limo e sal, repintados,
enfeitando dissonâncias da cidade.

Fios emaranhados, trepadeiras neuronais,
alimentando gambiarras televisivas, zumbidos,
conversas grampeadas, lâmpadas queimadas,
idéias vencidas.

Não quero mais
perguntas verdadeiras pedindo apreço,
respostas evasivas escancarando verdade,
palavras mortas de tentar expressar,
palavras soltas só para atormentar,
o que fiz e nunca mereceram,
o que mereci e nunca fizeram,
o que bem sei e nunca revelei,
o que não disse, mas imaginaram,
o que sempre disse, mas nunca entenderam.

Não quero mais
meu eu-real suportando
meu eu-estereótipo
das mentes normais.

fev.2013